Volkswagen Transporter: De ícone a enigma nas carrinhas
O outrora rei das carrinhas da Volkswagen chegou a um ponto em que a lendária Transporter perdeu tanto a identidade como a vantagem competitiva. Anos de atrasos, remendos de plataformas e paralisia estratégica empurraram a divisão de comerciais da VW para um canto onde as vendas dependem de descontos e nomes de modelos que confundem mais do que esclarecem.
Durante décadas, a Transporter foi o pilar da cultura das carrinhas alemãs: um verdadeiro camaleão, capaz de ser ferramenta de trabalho, transporte familiar e ícone de campismo. O grande ponto de viragem deu-se em 1990 com a T4, que passou o motor para a frente e adotou suspensão traseira independente. As T4 e, depois, as T5 surfaram uma onda de sucesso que manteve a plataforma competitiva durante quase vinte anos.
A meio da década de 2010, a Volkswagen perdeu o comboio decisivo. Em vez de lançar uma nova geração, deu um lifting profundo à T5, chamou-lhe T6 e continuou a vender o hardware de sempre com margens generosas. O desenvolvimento de motorizações elétricas e híbridas foi adiado, mesmo quando o mercado e os reguladores exigiam precisamente o contrário. Uma Transporter elétrica improvisada com a ABT, bateria de 32,5 kWh, aceleração 0–100 km/h acima dos 17 segundos e um preço mais de 20.000 euros acima do modelo convencional, foi uma proposta que poucos levaram a sério.
O golpe mais duro surgiu quando a Volkswagen ignorou o pedido antigo dos Correios Alemães para uma carrinha elétrica. A Deutsche Post fez a sua própria. A VW perdeu um parceiro-chave e a reputação da Transporter ficou manchada.
Quando finalmente chegou a hora de desenhar um verdadeiro sucessor para as T5 e T6, instalou-se a confusão. A T7, baseada na plataforma MQB, empurrou o condutor 20 centímetros para trás, reduziu a praticidade nas versões de carga e, na prática, transformou o modelo num novo Sharan em vez de herdeiro da linhagem Transporter. Os preços subiram, o espaço encolheu e a desilusão foi inevitável. A VW manteve a velha T6 em produção até 2024, o que significa que o mesmo modelo básico sobreviveu durante 21 anos.
O ID Buzz elétrico era suposto ser um novo começo. Em vez disso, a posição de condução elevada, o volume de carga reduzido e o preço de entrada proibitivo tornaram-no um produto de nicho. Uma versão mais barata, com bateria menor, soou mais a gestão de crise do que a sucesso estratégico.
A crise de identidade atingiu o auge com a parceria com a Ford. A carrinha média da Volkswagen é agora, na prática, uma Ford Transit vendida como T7. Ao mesmo tempo, existe uma T7 Multivan e a anterior T7 baseada em MQB, todas com o mesmo nome mas diferentes por dentro. A produção mudou-se para a Turquia, o design tem um toque Ford evidente e o preço não é vantagem. O cliente pode ter a mesma carrinha por menos se escolher a Ford.
O resultado é um trio de modelos que não satisfaz nem os fiéis da Transporter nem os clientes empresariais. A VW está presa aos volumes de produção da Ford, as vendas arrastam-se e os stocks acumulam-se. A solução é uma campanha de descontos desesperada, com reduções até 40% para empresas e particulares, só para escoar metal.
A outrora exemplar divisão de comerciais da Volkswagen tornou-se um caso de estudo sobre como uma marca pode perder a identidade por decisões míopes. Os rivais não dormem e os fabricantes chineses chegam com carrinhas mais baratas e espaçosas. Se a VW não corrigir rapidamente o rumo, o nome Transporter arrisca-se a sobreviver apenas como referência nostálgica, e não como uma família de produtos viva.